Aqui cabe uma explicação. Os 13 sonetos de saudade surgiram quando minha Amada Rainha precisou fazer uma viagem e, logo, nos separamos. Quem é da área sabe que artistas de um modo geral não têm mais do que o próprio ofício para oferecer de presente. Em nossa grande maioria somos duros e pobres, que são coisas diferentes. Escritores e poetas são ainda mais sofridos. No meu caso, a situação é ainda pior: a arte da escrita sempre foi uma atividade paralela, e íntima. Só depois que a vida me jogou ao chão é que decidi dar uma chance àquele velho desejo de sair do armário, como o nome do site bem informa. Assim, me vi escritor e poeta perto dos cinquenta anos. Mas a vida não é de todo peçonhenta, e me deu, junto com a chave do armário, um Amor irrevogável. E foi para esse Amor - a Rainha acima citada - que ofertei um soneto para cada dia de sua viagem.
Ao lê-los, perceberás que não necessariamente têm como tema a saudade, assim como nem todos estarão aqui. Alguns serão encontrados em uma página futura deste site: sonetos eróticos, ou licenciosos, ou libidinosos, enfim, sonetos sacanas. Ou seja, quando eles se misturarem não saberás quais foram dedicados à Musa. Se bem que, uma vez incondicionalmente apaixonado, tudo o que fazemos só tem um destino.
De quando a Atriz encontrou a Palavra
Serena, solenemente se ergue a saudade
Adula a dor que se oferece ao largo peito
Um drama romanesco em derradeiro leito
Duas cenas conduzidas rumo à eternidade
Apresenta aos olhos o mundo imperfeito
Da soma bruta da ferrenha veleidade
Emancipada no jargão da brevidade
Sobre o cadáver decomposto e putrefeito
Altera o texto quando cai a noite e a Lua cheia
Usurpa a ação circunspecta, na surdina
Descendo ao solo com seu manto iluminado
A alma que há pouco se percebia apenas meia
Desvela-se na carne frágil e concubina
E encontra o duplo outro no efêmero tablado
À Rainha – A que encontrou a Palavra
Binários
Nossos olhos, amor, quando se fitam
Reúnem-se na teia plúmbea do tecido virtual
Fazem festa, se brincam, carnaval
Conhecem bem o tempo-espaço onde habitam
Os lábios movem-se em silêncio atemporal
São duas lâminas selvagens quando gritam
Mas nos pixels binários só cogitam
A força vigorosa do encontro visceral
Os algoritmos precisos são traídos
Pela lógica das leis não conhecidas
Pelo escárnio do delito universal
Quando os corpos pelo amor já convertidos
Se tocam pelas vias mais bandidas
E fazem do silêncio um som carnal
A Titereira
Troça o trapo a traquitana
Achincalha a pobre marionete
A cruzeta sobe, desce, se repete
Ao fundo a claque faz bacana
A plateia assiste a cada esquete
E confunde a caixa craniana
Ver a titereira ser, assim, sacana
É dar a própria cara pra bofete
O boneco cai, apanha, se esfacela
Os pedaços espalham-se no palco
A audiência se horroriza perturbada
Nunca vira peça triste como aquela
Em que o títere de inteiro vira talco
Nas mãos da Saudade vil, alucinada
Exposição
Tua nudez, Amor, não me pertence
Sou o dono, sei, mas é do mundo
Como pode este poeta vagabundo
Regular esta beleza ateniense?
De onde é meu corpo oriundo?
A silhueta no filme de suspense,
A bailarina no feliz prazer circense
Meu amor no plano mais fecundo
Cada curva, cada reta, cada linha
Escrita com rigor pelo divino
Não merece a solidão do calabouço
Eu, o vassalo mais amado da Rainha,
Sem incorrer em franco e avaro desatino
Exponho minha luz, meu arcabouço
A morena e a gafe
A moça sinuosa desfila na calçada
A encaro e ela lá de longe vê e acena
Mas de onde conheço esta pequena
Que me sorri tão alegre e excitada?
Imagina, amor, a viva cena
Eu, o bar, e uma cerva bem gelada
Retribuo o cumprimento e olho a fada
Vem se aproximando, que morena!
Minha cara vai se abrindo em simpatia
Eu me ergo para dar-lhe um forte abraço
E me preparo para um fértil folhetim
Mas o enredo se desfaz em ironia
Ela passa me fazendo de palhaço
E se aboleta na mesa atrás de mim
Dói, mas aguento!
Terei ainda alguma bala na agulha
Para sonetos recheados de saudade
Para vencer a besta enfermidade
Que sempre ao vento acende uma fagulha?
Será que cumprirei minha vontade
Enquanto a dor no peito só borbulha
Fervendo a solidão, espúria pulha
Que me faz sofrer em quantidade?
Contra a dor desfiro meu revide
Em versos de amor com traços de comédia
E sem guardar poemas pra depois
É tanto, meu amor, que se divide
Para subir um pouco a minha média
Na falta de um soneto, te fiz dois
A Transgressão
Na ponta de um Marlboro Filter Plus
Queima a saudade, a dor e a distância
Sendo minha única e mortal instância
Louvar Philip Morris, amar a Souza Cruz
Perdoa o albatroz da circunstância
Valha-me Deus! Glória, senhor Jesus!
Mas meu peito ferido por obus
Ainda traz o revés da intolerância
Eu transgrido, meu amor, mas não me puna
Sou apenas uma lástima humana
Encarnada de uma alma bem cretina
Reduzida à importância de uma Tuna
Depois que o seu pedaço, o mais bacana
Foi passar um semestre lá na China
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